O Projeto de Lei n⁰ 3/2024 propõe profundas alterações na Lei de Falências, dentre as quais destacamos a criação da figura do Gestor Fiduciário, em substituição ao Administrador Judicial, e a previsão de um Plano de Falência.
Nos termos do aludido Projeto de Lei, a Assembleia de Credores deliberará sobre a eleição e substituição do Gestor Fiduciário, o valor de sua remuneração e a forma de pagamento, mediante aprovação de votos que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à Assembleia.
Tal medida implica na atribuição de maior poder aos grandes credores da falência, que terão a capacidade de eleger o Gestor Fiduciário, ao invés do Juiz. Essa situação requer melhor análise e cautela, diante dos efeitos que gera em relação à tutela do crédito.
O Administrador Judicial, como auxiliar do Juízo, deve zelar pelo interesse de todos os credores, inclusive daqueles que, por sua natureza, detêm menor organização ou coesão, como ocorre com os credores trabalhistas, por exemplo.
Na medida em que o Gestor Fiduciário seja eleito por um grande credor, há o risco de afinidade ou lealdade deste aos interesses do credor que o elegeu, que podem ser conflitantes com os de outras classes de credores.
O processo de falência, apesar de ter regras de pagamento bem definidas, implica uma infinidade de questões subjacentes, como a forma de realização do ativo, a decisão acerca de sua gestão temporária e a possibilidade de trespasse, dentre outras, que podem gerar conflito entre os credores, cuja tutela não se limita à verificação do maior crédito, pois também a minoria deve ter seus direitos tutelados no processo falimentar.
Assim, a inovação merece ressalvas, pois a condução e execução dos atos praticados no processo falimentar deve ser feita com absoluta e necessária imparcialidade.
O Projeto de Lei cria, ainda, o Plano de Falência, que deverá disciplinar, dentre outros temas, a gestão dos recursos financeiros da Falida, venda de ativos, providências em relação aos processos judiciais e administrativos, pagamento do passivo e contratação de profissionais.
O plano também poderá contemplar a aquisição dos bens da Massa Falida mediante utilização de créditos dos credores, a transferência dos bens para uma nova sociedade na qual poderão participar os credores e a obtenção de descontos em relação às classes de credores.
A apresentação a priori de um roteiro que defina a linha mestra do processo falimentar realmente pode agilizar o andamento do feito. Entretanto, diante da importância e abrangência do Plano de Falência, algumas considerações devem ser feitas, para que a tutela do crédito seja resguardada.
Inicialmente, o Projeto de Lei prevê que o Plano somente será objeto de votação em Assembleia se houver objeção de credores que detenham, pelo menos, 15% do total de créditos, caso contrário será automaticamente aprovado. Além disso, não terão direito a voto as classes de credores para as quais não haja expectativa de recebimento na falência, considerando-se a estimativa de realização do ativo.
Ora, as questões objeto do Plano de Falência são de tamanha relevância que podem significar a perda do direito de um determinado credor, pois não se trata, aqui, de formas de recuperação da empresa (o que beneficiaria a todos), mas destinação de um ativo limitado e insuficiente para pagamento do passivo.
Assim, em nenhuma hipótese pode-se restringir o direito de objetar o Plano a qualquer credor, cuja pertinência da irresignação deve ser apreciada pelo Juiz.
Muito menos, retirar o direito de voto em Assembleia diante da mera estimativa de que não haverá recursos para pagamento do crédito. Obviamente, no curso do processo falimentar, podem surgir situações que alteram o valor do ativo e passivo, não sendo admissível restringir direitos diante de uma simples hipótese, que pode não vir a se concretizar.
Por fim, a limitação temporal para realização do ativo, prevista na lei atual em cento e oitenta dias, foi uma solução legislativa necessária para modernizar e tornar efetivo o processo falimentar, razão pela qual permitir a dilação de tal prazo em Plano de Falência, ainda que para gestão do patrimônio do Falido, por exemplo, configuraria um grande retrocesso.
Sob este aspecto, cumpre lembrar que a finalidade máxima do processo falimentar é a realização do ativo e pagamento do passivo, não cabendo ao Poder Judiciário a gestão de patrimônio particular, o que requer habilidade gerencial específica e envolve riscos cuja responsabilidade não pode ser atribuída ao Poder Público.
Portanto, as alterações profundas propostas no Projeto de Lei são capazes de gerar grande impacto na tutela do crédito, devendo ser objeto de melhor estudo e debate para que não haja retrocesso, especialmente quando se verifica que a legislação falimentar sofreu recente modernização, ainda em 2020.
Introduzir novas alterações de forma precipitada e sem maior debate na sociedade pode levar a grandes perdas para os credores de menor porte, que se verão prejudicados por interesses de grandes credores.
Nossa equipe está à disposição para auxiliar em caso de dúvidas em relação ao assunto.
Juliana Sardinha
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